Este sentimento é tão presente que, quando acabei a minha formação superior em Engenharia Química e consegui o meu primeiro emprego como Product Manager - título já em si duvidoso e com a intenção de iludir a genuína natureza da função - e expliquei em casa em que consistia o meu labor diário, o meu velhote, vendedor em toda a sua vida adulta, num misto de desolação e incredulidade, disse: “então estive a pagar-te um curso superior para não passares de um vendedor como eu?”. E durante anos, até começarem as promoções, o reconhecimento profissional e uma carreira internacional, continuei a ouvir comentários desolados da parte dele.
Mas porquê ainda persiste um certo ónus sobre a profissão do vendedor? Basicamente porque, associados à imagem do vendedor, persiste um conjunto de mitos que não correspondem à verdade, pelo menos daquilo que podemos definir como o bom vendedor moderno.
E que mitos sobre o vendedor são estes?
Preguiçoso
“Todos os vendedores são preguiçosos!” - de onde provêm este mito? Eu diria que é fruto da aversão natural dos vendedores em elaborar relatórios, passarem pouco tempo sentados à secretária, muito tempo a viajar e em longas conversas ao telefone, em que são vistos excepcionalmente bem dispostos, a sorrir e com frases espirituosas.
O bom vendedor é uma pessoa altamente focada em tudo o que lhe possa gerar vendas e, de facto, elaborar longos relatórios não desperta grande paixão: na minha experiência de gestão de equipas comerciais, sempre fiz um esforço considerável para tornar esta tarefa fácil, por meio de janelas “pop-up” e menus com o máximo de opções que se podem seleccionar com um clique e onde se requer que se escreva o mínimo. A tarefa de elaborar um relatório não deve ocupar mais de 2-3 minutos por cliente e num total de 20-30 minutos por dia. A responsabilidade da "preguiça" aqui reside na direcção comercial, não no vendedor.
“Bon vivant”Quem não gosta de passar a vida a viajar, almoçar em restaurantes e dormir em hotéis? Pois é, os "malandros" dos vendedores passam a vida assim!
Há alguns pequenos - mas substanciais! - detalhes que escapam a este raciocínio simplista.
Mentiroso
Outro dos mitos sobre o bom vendedor, cuja origem está seguramente na imagem anacrónica do vendedor intrujão que vende gato por lebre, aspiradores de pó a esquimós, aparadores de relva a beduínos e que é portador de uma retórica antológica e uma lábia ímpar.
Hoje em dia, o bom vendedor sabe que se tentar enganar o cliente será apenas uma questão de tempo para perdê-lo definitivamente para a concorrência.
Digo muitas vezes que mais vale perder a venda do que vender algo que não satisfaça as necessidades do cliente; este reconhecerá a sua integridade e vai premiá-la com uma relação duradoura e vantajosa para ambas as partes.
Hoje em dia, com a quantidade de “gatilhos” e distrações a que somos sujeitos, alguém que aspire vir a ser um bom vendedor não pode ser desorganizado.
O bom vendedor mune-se de todas as ferramentas ao seu alcance: um sistema de gestão de contactos (CRM) adaptado ao seu funil de vendas, um método fácil e abrangente de gestão de compromissos - reuniões, formações, etc. - e saber destinar um tempo determinado para análise e planificação da sua carteira de clientes (retornarei a este assunto numa próxima ocasião).
Rebelde
O último mito é que o vendedor é rebelde. E aí sou obrigado a reconhecer, entre todos os mitos, aquele que tem mais fundamento, porque se presta a uma análise superficial da realidade: o vendedor não é necessariamente rebelde mas tende a ser indisciplinado.
Devo esclarecer, porém, o que quero dizer com indisciplinado: é que, por vezes, na tentativa de ganhar ou negócio ou agradar o cliente, o vendedor faz demasiadas concessões: descontos exagerados ou desproporcionados, condições comerciais permissivas e arriscadas, discriminação entre clientes, etc.
O bom vendedor deve reter uma certa rebeldia para saber transgredir liminarmente algumas regras e normas da empresa mas tem de ser suficiente disciplinado para saber quais são os limites que pode ultrapassar para fechar o negócio e satisfazer o cliente, sem colocar em risco a empresa e a sua relação com os demais clientes.
Resumo
Há séculos que os vendedores, fruto da especificidade da sua actividade, são vítimas de mitos a eles atribuídos e que, hoje em dia, já não fazem sentido, principalmente quando atribuídos aqueles que estão no processo de se tornarem bons vendedores.